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Libra & Celo

Shermin Voshmgir edited this page Sep 12, 2021 · 1 revision

Em junho de 2019, o Facebook, uma rede social baseada na Web2 com mais de 2 bilhões de usuários ativos, anunciou uma mudança para a Web3. A mídia se referiu a essa mudança como "Facebook lançando uma moeda criptográfica". A realidade, no entanto, é mais complexa, uma vez que o Facebook não está apenas planejando lançar um token, mas também toda uma rede, criando assim a sua própria infraestrutura para gerir esse token. O white paper afirma que o consórcio Libra lançará a sua própria ledger distribuída, que administrará um token nativo - Libra. A carteira Calibra será o software com o qual os usuários serão capazes de gerir os seus tokens Libra, e potencialmente também outros tokens futuros ou contratos inteligentes que a rede possa emitir. De acordo com o white paper, os usuários do Facebook poderão usar os tokens Libra para pagamentos online usando a carteira Calibra com taxas "baixas ou nenhuma". O white paper indica que a Libra será um token estável, que será apoiado por um conjunto de várias moedas fiat. Os elementos-chave da rede Libra, como anunciado no white paper de 2019, são:

Infraestrutura, Consenso e contratos Inteligentes: A Libra funcionará numa ledger permissionada/federada distribuída que não usa uma "cadeia de blocos" como mecanismo de segurança. Somente os membros da rede podem validar as transações. A segurança é proporcionada pelo fato de todos os membros da rede serem conhecidos e terem celebrado contratos legalmente vinculativos onde os maus atores podem ser processados por lei. A rede pode, portanto, usar um algoritmo de consenso mais eficiente, LibraBFT, um fork do protocolo de consenso "HotStuff", que é uma versão modificada do Practical Byzantine Fault Tolerance (BFT). O protocolo oferece capacidades de contratos inteligentes. "Move" é a linguagem de programação que foi inventada para o protocolo. Semelhante ao Ethereum, os contratos inteligentes da Libra exigirão pagamentos de rede (gás) para a execução do código. Isto significa que todas as operações requerem pagamentos de tokens Libra para taxas de transação de rede, que também será uma fonte de rendimento para validar os nós.

Governança da Rede: Inicialmente a Associação Libra, com sede na Suíça, tinha cerca de 30 membros fundadores, todos eles instituições já estabelecidas, desde redes de pagamento tradicionais (Mastercard, Visa, Paypal) até empresas de Internet (Uber, Lyft, eBay), empresas de blockchain (Xapo), VCs (Thrive Capital, Andreessen Horowitz) e NPO's, tais como Women's World Banking e Mercy Corps. Uma supermaioria de 2/3 seria necessária para mudanças de protocolo. O plano inicial era a transição de uma rede federada (associação) para uma rede pública baseada na prova de participação dentro dos primeiros cinco anos. Resta saber se este roteiro é viável ou não.

Governança On-chain: Tal como a Tezos, o protocolo está sujeito a revisão. Os membros fundadores da rede Libra terão um segundo conjunto de tokens, o token de investimento Libra, que concede direito de voto na rede. Os tokens de investimento da Libra são necessários para votar nas mudanças de governança do protocolo. Tais mudanças de governança, na forma de atualizações do protocolo, serão essenciais para (i) adicionar novos membros e (ii) fazer a transição da LibraBFT para um protocolo público Proof of Stake.

Ledger descartável: Semelhante a "Coda", a ledger é descartável. Os nós só precisam fornecer uma prova do último bloco para garantir que estão interagindo com uma ledger válida. Esta é uma característica importante do ponto de vista da usabilidade, uma vez que os dados históricos podem, com o tempo, crescer para além da quantidade que pode ser tratada, em particular por pequenos dispositivos.

Collateralized Stable Token: O token Libra não é um token orientado a um propósito cunhado através de uma_ proof of contribution _para a rede. É um simples token estável colateralizado por ativos. Similar a outros tokens estáveis com garantia de ativos como o Tether, os tokens serão emitidos e queimados regularmente em resposta às mudanças de procura por sua reserva e para manter a taxa de câmbio estável. Este é um pré-requisito para que qualquer token seja útil como meio de troca, e uma grande vantagem para outros tokens como Bitcoin que não possuem mecanismos embutidos de estabilidade de preço (leia mais: Parte 3 - Economia token). Curiosamente, Libra é um dos poucos projetos de token estável que já anunciou o que a reserva fará: investir em títulos de baixo risco para gerar juros de custos e retornos. A Calibra Wallet FAQ anunciou baixas taxas de transação, mas não explicou a economia da mesma. A questão é se eles serão capazes de manter a promessa em momentos de carga alta.

Privacidade: No white paper, é dito que, "O protocolo Libra não conecta contas a uma identidade do mundo real. Um usuário é livre para criar várias contas gerando vários pares de chaves. As contas controladas pelo mesmo usuário não têm um link inerente entre umas e outras". Este pseudônimo para os usuários é similar ao funcionamento do Bitcoin e da Ethereum. A carteira Calibra, no entanto, requer que todos os usuários sejam verificados através de identificação emitida pelo governo. Não está claro se é possível executar outras aplicações de carteira na rede Libra que não obedecem aos mesmos requisitos AML/KYC (Anti Money Laundering / Know Your Customer).

O token Libra não pode ser comparado ao Bitcoin ou a outros tokens de protocolo nativo de redes blockchain não-permissionadas, uma vez que (i) baseia-se numa solução federada, o que significa que não é não-permissionada, e o fato de (ii) muito provavelmente ter requisitos rigorosos de KYC/AML. Do lado positivo, a infraestrutura permissionada permite uma maior (i) escalabilidade, e (ii) o Facebook já tem uma base de usuários de mais de 2 bilhões de pessoas, o que tornará os tokens compatíveis com um mercado de massa, e que provavelmente será uma carteira de fácil utilização, uma vez que o Facebook tem poder de desenvolvimento suficiente para fazer com que a tão necessária usabilidade da carteira aconteça.

Se implementada, a rede Libra pode-se tornar um fornecedor de fintech e, como tal, um concorrente sério para os atuais fornecedores de serviços financeiros, que cobram dos comerciantes e clientes taxas de remessa consideráveis, até 2,5% ou mais numa transação. Além disso, a Libra poderia ameaçar a existência das atuais empresas de transferência de dinheiro que cobram taxas de liquidação ainda mais altas, e que muitos imigrantes em todo o mundo utilizam diariamente para enviar dinheiro aos membros da família nos seus países de origem. Para o bem ou para o mal, a Libra tem o potencial de se tornar um sistema bancário paralelo, pelo menos para os 2 bilhões desbancarizados em todo o mundo.

O problema é que a rede pode não se tornar tão soberana e descentralizada como a associação Libra alega que se tornará a longo prazo. A rede Libra é mais provavelmente uma tentativa do Facebook e dos outros membros federados da rede de entrar em duas novas indústrias através da back door a das carteiras da Web3: identidades digitais e bancos. Dado que o Facebook, ao lado do Google, é o maior fornecedor de tecnologia, o token Libra poderia ser usado para incentivar o consumo futuro de publicidade, semelhante ao que o Basic Attention Token (BAT) está tentando fazer, revertendo os papéis numa indústria de publicidade altamente intermediada (leia mais: Parte 4 - Basic Attention Token) ou como Steemit está tentando incentivar contribuições para a rede (leia mais: Parte 4 - Steemit).

Os anúncios da Libra criaram um grande hype na mídia em 2019, mas não foram bem recebidos pela maioria dos reguladores em todo o mundo e estimularam um considerável impulso regulatório retrocedente. Em outubro de 2019, PayPal, Visa, MasterCard e Stripe deixaram de apoiar o projeto, pelo menos temporariamente. Até mesmo o Facebook anunciou que iria abandonar o desenvolvimento do projeto se ele não "progredisse o suficiente" com os reguladores, que parecem temer que o token Libra possa ser usado para (i) atividades ilegais, (ii) tornar-se um sistema bancário paralelo, (iii) privatizar dinheiro, e também (iv) minar a privacidade do usuário.

Apesar deste recuo, o espaço criptográfico afastou-se de palavras como "blockchain" e "smart contracts" para o tema dos tokens. O playground para super nerds, cripto-anarquistas e especuladores deu oficialmente um grande passo em direção à tokenização da economia. Um estudo conduzido pelo Banco de Compensações Internacionais concluiu que, desde os anúncios do projeto Libra, muitos bancos centrais que antes estavam relutantes em relação à emissão de Moedas Digitais de Banco Central (CBDC) estão agora investigando opções de tokenização de suas moedas, já que o acordo instantâneo da Libra teria sido uma ameaça considerável para o atual sistema bancário global. No momento de escrita da segunda edição deste livro, alguns dos membros restantes da federação Libra, como Anchorage, Bison Trails, Coinbase Ventures, Andreessen Horowitz e Mercy Corps, anunciaram que fariam parte da "Celo Alliance". Com 50 membros fundadores, a Celo é uma coligação semelhante ao consórcio Libra, com o objetivo de "prestar ajuda humanitária, facilitar pagamentos e possibilitar microempréstimos" com um token chamado "Celo Dollar", cujo lançamento está previsto para abril de 2020.

Aproximadamente na mesma época, em março de 2020, a Libra anunciou que a carteira Calibra se afastaria, pelo menos temporariamente, da ideia original de apoiar o token Libra com um conjunto de moedas fiat. Em vez disso, a federação Libra anunciou que está planejando lançar diferentes moedas fiat tokenizadas que podem ser geridas com a carteira Calibra.

Referências do Capítulo & Leitura Adicional

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